Natália Paulsen, Yalorixá em Canguçu, alerta e crítica quanto ao estelionato religioso
- Nael Rosa
- 14 de mai.
- 6 min de leitura
Atualizado: 18 de mai.
Foto: Reprodução/ Facebook

Pode ser raro, soar como algo sem nexo e até embasamento científico, mas às vezes, sem que não tenhamos as condições psicológicas (mesmo que momentâneas) para perceber que uma simples ida à farmácia da esquina pode ser a saída para, ao menos, amenizar o que estamos sentindo em decorrência das situações que se apresentam perante à correria e aos tantos problemas que surgem diariamente, ou seja: perdemos a capacidade de nos dar conta que somente o consultório médico e seu profissional podem dar, de fato, a solução.
São tantos milhões de brasileiros sofrendo com algum tipo de abalo psicológico diante de uma humanidade adoecida pelo estresse e suas consequências comuns ao cotidiano frenético, que apelar ao auxílio espiritual elevou-se e muito. Mas um alerta: ele, ao mesmo tempo, pode colaborar para a retomada do saudável para o corpo e mente, afinal, ter fé é essencial, bem como, conter armadilhas que, além de não oferecerem a resolução para tudo aquilo que está nos tirando a paz, e como sequelas, deixarem prejuízos financeiros significativos a quem opta por essa forma de socorro, sem a devida análise.
Recentemente, um vídeo publicado nas redes sociais da Yalorixá Natália Paulsen, 36 anos, e que está à frente de um Centro de Umbanda em Canguçu, abordou e levou à discussão os tantos abusos cometidos por líderes religiosos, não só os de matriz africana, mas de tantas outras religiões e suas congregações, onde, há décadas, a grande mídia tem sido responsável por mostrar escândalos e falcatruas financeiras, inclusive, de pastores evangélicos, bispos e outros que vivem ou exploram a fé como um comércio, o que os leva ao super enriquecendo ao convencerem os fiéis, simpatizantes ou adeptos, a doarem seu patrimônio, sendo esta, é claro, uma exceção da regra, mas nem tão incomum assim.
“Acontece bem mais do que se possa imaginar. Fragilizadas e muitas vezes com problemas de saúde cujo a solução compete à medicina, principalmente a psicológica e a psiquiátrica, tanto que opino que deveria haver um Caps em cada esquina, há os que buscam na Umbanda, Quimbanda, em igrejas evangélicas ou não, a cura para algo que é orgânico ou mental, mas nem sempre, espiritual”, resume Paulsen, que adiciona:
“isso é estelionato religioso: se aproveitar de alguém tão abalado, que perde a capacidade de analisar, de discernir, e acaba caindo nas mãos de charlatões que subtraem, muitas vezes, todas as suas economias, mas a doença que afeta o corpo ou a mente, se mantém”.
Ela conta uma de suas tantas experiências neste sentido, quando se recusou a receber o dinheiro de uma senhora que insistia que portava um problema grave na boca.
“Eu já arranquei muitos dentes, troco de creme dental com frequência e de escova para dentes todos os dias, mas de nada adianta, nada cura essa lesão na minha boca”, me relatou a mulher, em uma consulta que fez comigo, ao insistir para que eu fizesse um trabalho que a curasse. Joguei os búzios para ela, constatei e afirmei: “a senhora precisa buscar um médico, pois esse seu comportamento nada tem a ver com problemas espirituais, é psicológico. Resultado: ficou brava comigo, foi embora e, certamente, procurou outro que a atendeu e ficou com seu dinheiro”.
Natália Paulsen salienta que, sim, diversas vezes, a situação requer atuação espiritual. Mas as pessoas precisam retomar o discernimento para, ao buscarem líderes religiosos, simplesmente não se deixarem levar por determinações que as fazem acreditar e, por exemplo, matarem meia dúzias de animais, entre estes, galos e cabritos, por serem convencidas de que estão tomadas por espíritos malignos e, se não agirem, pagando altos valores, permanecerão naquela situação ou até perderão o emprego ou a vida.
“Muitas vezes, eu mesmo as oriento a buscarem um médico, mas, é claro, que em algumas oportunidades, sim, há problemas que envolvem questões espirituais que requerem a intervenção do Pai ou da Mãe de Santo, sendo necessário cobrar, pois para nós, dessas religiões, tudo que é usado custa no mínimo o dobro do preço normal”, explica ela, adicionando que, por agir com honestidade, se mantém uma líder espiritual pobre no sentido financeiro.
“Existe um procedimento chamado Aribibó. Por ele, cobro R$ 80,00. Mas há os que pedem e recebem até R$ 3 mil”, exemplifica, para a seguir, emendar: “todos nós temos o direito de fazermos o que quisermos das nossas vidas, mas subtrair R$ 5 ou R$ 6 mil de alguém, inventando que este está com o demônio no corpo, o que acontece também entre os evangélicos e outras religiões e líderes, é algo desonesto, portanto, me recuso e, assim, continuo pobre”, com bom humor, fala Natália.
Ela recorda outro episódio que foi essencial para salvar a vida de alguém que buscou em seus conhecimentos, a saída para uma doença.
“O rapaz já havia gastado com velas, mais de vinte galos que foram mortos, cachaça em grandes quantidades, e nada de melhorar. Ao atendê-lo, questionei sobre seus exames de saúde e ele respondeu que faltava fazer apenas um, mas que todos os demais haviam dado negativos. Nos búzios, vi que não era nem eu e nem o espiritual, a saída. Então o aconselhei: “pega esse dinheiro que ainda tens, faz esse último exame e nele vai aparecer a doença. Ele seguiu minha orientação e o resultado apontou que estava à beira de uma leucemia, se tratou e acabou se salvando”.
Ela vai além. “repito: há os desonestos que pegam pessoas em momentos fragilizados, as enganam e nada solucionam. Mas há, também, os que, por terem recursos financeiros, já chegam até a mim pedindo para que um trabalho seja feito. Mas observo: geralmente, são os que, além de terem muito dinheiro, trazem consigo a vergonha de admitir que buscam na nossa religião, a saída para os momentos complexos que atravessam em distintas áreas de suas vidas. Tanto tem vergonha, que, se cruzam por nós na rua e estivermos caídos até numa valeta, sequer estendem a mão para nos ajudar”, lamenta.
Em relação a gastos, ela adiciona que, para se ter uma ideia, em um procedimento pessoal realizado em novembro passado, foram investidos R$ 24 mil. Mas, salienta ser algo que ocorre no mínimo a cada quatro anos e serve para que ela se mantenha na posição de Mãe de Santo, um montante que custeou três festas e rituais, que estão dentro das obrigações e que, de fato, são festejos com fartura de comes e bebes para os presentes.
A Yalorixá revelou já ter tentado atuar em outra área, mas não deu certo, e que, Canguçu, para quem integra essa religião, é uma cidade difícil para se trabalhar.
“Pensei em ir embora, mas meus orixás determinaram que eu ficasse aqui. Hoje, cada filho e filha minha (frequentadores) contribuem com R$ 50,00 de mensalidade para, aqui, tomarem banho, consumirem uma água mineral, comer uma fruta ou outro alimento. Converto tudo que entra para este fim ou em velas, as mesmas que, quem quer doar, também as traz por vontade própria, bem como, outras coisas, sem que isso seja uma exigência”, revela.
Uma das buscas mais frequentes por Natália e sua capacidade espiritual, se dá entre os muitos que visam reatar suas relações amorosas e, novamente, ela é sincera:
“a questão é que a maioria das vezes é falta ou falha de caráter. Então, não há o que ser feito. Geralmente, houve traição, e quem praticou isso, se desespera, nos busca para obter seu amor de volta, mas, ao mesmo tempo, não aceita melhorar, corrigir tais falhas. Isso nada tem a ver com o espiritual. Geralmente, falam ou contam que ouviram que alguém fez um trabalho, um mal poderosíssimo que acabou com a união, mas, na verdade, não há influência nenhuma nesse sentido e sim, tem é que aceitar que errou, mudar, e não pôr a culpa pelo final da relação no outro ou em outros. É como errar e creditar tal deslize a um terceiro, a tal transferência de responsabilidade".
Por fim, Paulsen cita um novo caso que tipifica a classificação de estelionato apontada por ela.
“Conheci um senhor que juntava lenha para fazer fogo e, com ele, preparava a comida para os filhos, pois tudo que tinha, a igreja a qual frequentava o convenceu a doar. É o que eu disse: falcatruas há em todas as religiões”.
Semelhante ao afirmado pela Mãe de Santo, a reportagem conheceu um caso que teve, em seu final, apenas zeros na conta bancária.
Por ter problemas de saúde, tanto a mãe, quanto o filho, de 58 e 34 anos respectivamente, hoje não possuem nenhum patrimônio, pagam aluguel de uma casa simples em Piratini, e sobrevivem de benefícios pagos pelo governo, o que poderia ser uma realidade bem diferente:
“havia um saravá no interior de Canguçu, local onde meu pai frequentava e, por ser filho único, herdou 60 hectares de campo., Tinha casas nas propriedades, plantava e colhia culturas que eram vendidas no comércio do município” revela o jovem, que arremata:
“mas quem comandava o centro de Umbanda disse a ele que, se não vendesse tudo que tinha e doasse à Casa, não conquistaria um lugar no céu. Meu pai ainda mantém essa deficiência mental ocasionada por ter caído numa cacimba seca quando bebê, continua não tendo a capacidade de analisar. Hoje, aos 62 anos, depois de vender e doar tudo para a Umbanda, sobrevive vendendo picolé pelas ruas.
Reportagem: Nael Rosa
Reportagem: Nael Rosa
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