O desafio do “Educar” para que o lixo cause menos impacto e permita melhor renda a quem dele sobrevive
- Nael Rosa
- 9 de mai.
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Atualizado: 9 de mai.
Foto: Nael Rosa

Mesmo diante de uma atividade insalubre, recicladoras demonstram satisfação pela contribuição ao meio ambiente
Em um município onde se aplica na prática o ditado: “Povo Educado, Cidade Limpa”, afinal, é raríssimo, ao menos na extensa área central de Flores da Cunha, visualizar sequer um papel que embala uma bala, jogado ao chão, flagrar contêineres transbordando com o lixo depositado pela população, mas não retirado, e todas as consequências dessa situação incomum, como, por exemplo, o mau cheiro, episódios ocorridos em fevereiro deste ano e decorrentes de problemas envolvendo a Panambi Ambiental, empresa que assumiu o serviço de coleta dos resíduos, também serviu para evidenciar uma realidade comum no país que ainda não aprendeu (ou se recusa) descartar de maneira adequada o que não mais lhe serve.
Despertar a consciência ambiental se tornou tão desafiador quanto não perceber a cifra milionária que alcança R$ 14 bilhões e que o Brasil deixa de ganhar anualmente com o descarte inadequado das 224 mil toneladas/dia, que, os 211 milhões de habitantes do país produzem, média de um quilo diário cada um, e destes, apenas 4% são recuperados.
De acordo com dados levantados pela repórter Sophia Fiorense, a cidade do Galo recolhe semanalmente 109 toneladas de lixo orgânico e 73 de recicláveis, bem abaixo do que poderia ser, se houvesse um esforço dos moradores e a reeducação destes.
"Quando não há separação adequada, os resíduos recicláveis acabam sendo descartados como rejeito, indo parar em aterros sanitários. Esse custo é arcado pela Prefeitura e, consequentemente, por todos nós ", explica Franciele Zorzi, diretora de Meio Ambiente.
"Sim: necessita fiscalizar bem mais e educar os usuários, já que também é intrínseco e há a culpa do poder público, porém, é dever da população realizar a destinação de forma correta e se preocupar com essas questões"
"complementa o morador Maicon Luiz Anschau, de 32 anos, que vive no bairro Parque dos Pinheiros, observa que o descarte
inadequado de resíduos acontece com mais frequência no fim do dia e aos finais de semana.
O gesto, a princípio simples, afinal, o Município investiu R$ 7 milhões em coleta, transbordo e destinação final dos resíduos, incluindo a instalação de 700 novos contêineres nos últimos quatro anos, não teve o impacto necessário e esperado, já que é comum flagrar tais recipientes de cores distintas para facilitar o descarte adequado: seco e orgânico, abarrotados de sacolas plásticas, outras vilãs, contendo tanto o seco, quanto garrafas pet, papel e papelão, juntos com o orgânico, ou seja, tudo aquilo que, inclusive, sobra, do preparo das refeições diárias em nossa casa.
Na Rádio Amizade FM, uma das seis emissoras do Grupo de comunicação RS/COM, a gestora da emissora instituiu na empresa o que espera, colabore para que o hábito se estenda à casa de toda equipe.
Cartazes com orientações e recipientes adequados para cada tipo de resíduo, estão fixados em diferentes áreas da estrutura e, se houver uma “derrapada”, e de vez em quando ocorre, o grupo de WhatsApp se encarrega de “puxar as orelhas” de quem desobedece às regras.
" É algo básico, necessário e que todos nós devemos inserir a partir de nossa casa e se há algum membro da equipe que não concordar, ao menos aqui, na rádio, vai ter que se adaptar. Essa regra é válida para todas as rádios do grupo, já que entendemos ser imprescindível dar a nossa colaboração para o futuro do planeta", opina Maristela Dalsolio.
Mas é na outra extremidade, onde o que nós, ignorando o bom senso, o dano causado à natureza e as orientações explícitas junto aos contêineres, chega tudo aquilo que somos os responsáveis por produzir, mas, que possibilita, mesmo sendo um valor irrisório diante da importância do trabalho, renda para atualmente 17 pessoas, que acontece a missão insalubre de separar os rejeitos.
No Distrito rural da Capela Nossa Senhora Medianeira, distante 15 km da área central, está situada a Associação de Recicladores Amigos de Flores da Cunha, local onde trabalhadores de pouca instrução educacional ou currículos singelos, se desdobram diariamente para tirar no máximo 40% de aproveitáveis para a venda, das, asseguram seus gestores, 150 toneladas de lixo que chegam mensalmente à estrutura de 700 metros quadrados, cujo o aluguel, já inclusos a água e energia elétrica, gira em torno de R$ 16 mil.
A renda unitária de cada colaborador gira em torno de R$ 2 mil, não incluindo nenhuma das refeições, fazendo com que a totalidade leve suas marmitas que são consumidas nos 60 minutos de intervalo para o almoço.
Mas, entre a maioria, senão todos, há orgulho por, mesmo manuseando algo sujo, ter, ao menos uma parte da consciência, do quanto são responsáveis dessa tentativa desesperada de salvar o planeta.
"Por ser uma mulher trans e o preconceito ser realidade, empresas não costumam me dar uma oportunidade em outra área. Sou natural de Alegrete, mas vim de Serafina Corrêa para Flores. Minha vida toda foi trabalhando com o lixo. É um serviço sujo e que oferece risco de contaminação, pois até mesmo seringas encontramos em meio aos rejeitos. O que vou fazer?" É a única coisa que se apresenta para mim e que, mesmo que paguem o nosso INSS, lamentavelmente, não há carteira assinada e se torna impossível adquirir nada para si, para mobiliar o ambiente onde residimos e, às vezes, para pagar o aluguel que para mim custa R$ 800,00, falta até mesmo para trazer o almoço", revela Rayane Prado da Cruz, de 42 anos.
Para Suzana Silva, 46 anos, já são 15 anos como recicladora, opção que entendeu ser menos difícil para que tenha uma renda mensal, em virtude de residir próximo da usina de reciclagem e, com o salário e o bônus dado a todos quando o lixo reaproveitável é comercializado, algo em torno de R$ 400,00, ela afirma que pode não ser o melhor, mas, “menos pior”, uma vez que, mesmo da realidade de ter que lidar diariamente com a sujeira que envolve a atividade, afirma, colaborou para dar sustento aos filhos, hoje com 21 e 27 anos respectivamente, após ficar viúva.
"Olha, com o que você ganha aqui, não te permite nem mesmo planejar a compra de um móvel para a sua casa, mas, consegui, já que a rede da Corsan não chega à minha casa, obter a construção da rede d'água de outra forma e pela qual, por um tempo, vou pagar R$ 600 mensais. Dessa atividade, cercada de preconceito pela sociedade, já que somos vistos como lixeiros, ainda consegui mandar fazer e inserir minha arcada dentária inferior, que me custa R$ 500,00 mensalmente. É sujo, é complicado, mas como não estou me prostituindo e trabalho desde os seis anos, sei que a minha atividade é honesta-, afirma.
Envolvido com a causa há nove anos, o vereador Luiz André de Oliveira, o Luizão, que nos acompanhou até a usina de reciclagem devido a boa relação com seus integrantes, retrocedeu, ao ouvir da reportagem que as ações educativas e, sem efeito, usadas para orientar a população a fazer o descarte correto (as orientações contidas, mas ignoradas no contêineres), não deram resultado. Assim, ventilamos e ele concordou, que inserir uma atividade relacionada ao tema e o bom hábito entre os estudantes de anos iniciais, poderia dar melhor resultado:
"vocês têm razão. Trazer as crianças até a este local, confrontá-las com essa realidade, pode sim mudar esses hábitos nocivos ao ecossistema, pois os filhos levam tudo que aprendem para casa, portanto, repassa aos pais todas as boas lições que aprendem na escola, o que despertaria nos genitores, a obrigação de seguir bons exemplos", admite o parlamentar do Republicanos, que acrescenta: " a sociedade florense precisa saber o que acontece aqui e esta saída está nas fases iniciais da infância".
Luizão se refere, inclusive, ao percentual muito abaixo do necessário no tocante ao que se transforma em dinheiro para quem esta na atividade, o que é lamentado por Adriano Alves da Silva, 45 anos, que desde 2009 preside a Associação Amigos de Flores da Cunha.
“ Das 150 toneladas que aqui são descarregadas nos 30 dias do mês, no máximo 40% se consegue aproveitar e comercializar. Muitas vezes, a ausência de educação, principalmente de quem reside na área central da cidade, é tão grande que o lixo orgânico chega melhor do que o seco, já que quem o descarta, ignora a lixeira adequada para cada um”, reclama Silva, que tem uma explicação para o mal hábito:
"o cheiro forte (chorume) que há nos recipientes do orgânico, levam a quem vai descartar as sacolas evitar usá-los. O presidente da emenda: “se fosse adequadamente separado, facilitaria para nós, pois seria mais prático e menos sujo lidar com o lixo. Mas nos defrontamos diariamente com muita contaminação e odor extremamente forte”.
Ele encerra lamentando a ausência de reconhecimento por parte da sociedade, que mantém, de acordo com sua visão, um distanciamento de quem atua nessa atividade.
"Nós, aqui, somos realmente as pessoas preocupadas com o meio ambiente. Mas não há valorização de ninguém pelo que fazemos. Nos veem com outros olhos e estes, negativos.
Temos orgulho do quanto evitamos, por exemplo, a contaminação do solo e oceanos, mas o olhar da população é preconceituoso, já que ela continua nos vendo e chamando de lixeiros. Isso é tão real que, entre os nossos, há aqueles que têm vergonha de revelar que são recicladores”, visão compartilhada por eu irmão e associado, Altemir Alves da Silva, 52 anos.
"Os que aqui estão são preteridos em outras atividades e setores da indústria ou comércio de Flores. Mas nos olhos de todos, vejo também a preocupação em colaborar para um mundo menos poluído, embora, mesmo nobre, pois toda atividade é, somos vistos como se estivéssemos à margem, à parte da sociedade, portanto, o olhar direcionado a nós ainda é o mesmo surgido nas décadas de 70, 80 e 90: somos vistos e tratados como lixeiros”.
Reportagem Especial-Jornal O Florense: Nael Rosa e Sophia Marcon Fiorense
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